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domingo, 8 de maio de 2011

Ser e Aparecer



O ser não é manifesto, já que não aparece para nós; o que aparece é fraco, já que não consegue ser. Górgias, o sofista.

Atualmente, Ser e Aparecer são iguais em poder de existir, porque ambos são a mesma coisa sob diferentes pontos de vista, em vista da afirmativa de que o que Aparece não adquiriu tal valor, mas o Ser foi que perdera parcela do seu valor, nesta relação, diminuindo-se para equiparar-se ao Aparecer; a razão de ser do que Aparece é existir como fenômeno para o Ser, embora essa razão seja ponto de vista da perspectiva do Ser, isto é, é o Ser quem representa tudo aquilo que aparece (deixando de ser “que” para ser “quem”); e ainda, a razão ontológica do Ser é dar sentido ao que lhe aparece porque o fenômeno é inevitavelmente uma projeção do Ser, tornando-o inteligível para si, a partir dos conceitos de si. E o Ser se projeta como fenômeno e logo aparece; e o que Aparece (todos os seres tem o poder de aparecer) torna-se Ser no momento em que damos-lhes sentido para ele ou quando busca um sentido para si.
O ponto de vista daquele que observa o que aparece é o ponto de vista do Ser, em vista de que tudo aquilo que aparece é objeto. O Ser, de forma condicional ou incondicional pode tornar-se um objeto que aparece, mas o que o Ser torna ou descobre como objeto, não necessariamente tem o poder de Ser, apenas de aparecer segundo as condições do Ser. O Ser é sujeito quando o objeto do seu conhecimento é passível da sua observação, embora quando o fenômeno não se apresenta ao ser por vontade e esforço deste não quer dizer que haja ou não uma vontade no objeto. Ambos, Ser e Aparecer, são em dado momento fenômenos ativo e passivo, ou ativo-passivo - segundo múltiplos pontos de vista de ambos. Porque o Ser se deixa tornar objeto passível de certo contexto de sobrevivência para manter-se enquanto fenômeno, como uma espécie de Ulisses que, descobrindo na caverna platônica um prazer, resolve abdicar à claridade exterior retornando de livre escolha para seu interior, ou em última instância, o Ser torna-se objeto por vias de uma falsa compreensão de si na situação da esperança de uma auto-preservação equivocada e batizada nos Sentidos (os Sentidos sim, antagonizam-se com o Fenômeno), ou ainda por ignorância, porque desde sempre na caverna, tenta entender a perspectiva daqueles que adentra novamente neste subterrâneo sejam eles os sujeitos que retornam para conscientizá-lo da salutar claridade exterior ou para reforçar-lhe a perspectiva cavernícola.
Somente o Ser que quer aparecer o faz de forma ativa - e aqui torna-se mais Ente do que aparente; o objeto que aparece é susceptível de observação pela vontade daquele que o observa e talvez apareça por força do Ser, mas o Ser enquanto fenômeno escolhe sua condição no espectro do aparecer. Essa relação ocorre no mundo das aparências – onde há uma forte inter-relação entre o Ser e o Aparecer, que não é nem dialética, nem dicotômica, ou antagônica, simplesmente é um dos fenômenos de uma causalidade já alienada (no sentido grego do termo) nas instâncias, filosófica, político ou existencial. Abre-se aqui uma grande possibilidade: a de se construir verdades sobe os alicerces da aparência como algo que aparece para um fim específico: o de gerar novos fenômenos, controlados ou controláveis pelo Ser; logo a verdade da aparência gesta o Progresso, a Razão, a Beleza, o Bem, a Moral e assim por diante - e a tradição é seu arcabouço, mas nestes termos perde-se a razão de existir.
Enfim, nas instâncias do Fenômeno, co-existe com o Ser e o Aparecer, um mundo de aparência – é lá onde o Ser é gestado, onde busca subsídios para formular, a priori, das coisas que “parecem”, um sentido para si e para o objeto do seu conhecimento bem como seu controle. Nessa intensa relação, poderemos nos surpreender com seus protagonistas.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Contos do Blague

Conversa boa, conversa ruim

Na rua B sem transeuntes, havia casinhas recém construídas, ainda sem acabamento. Por causa disso, quem por ali passasse teria uma certa impressão de melancolia, embora inconsciente. Os paralelepípedos molhados pela chuva refletiam a luz tênue do sol a se expandir e a ornamentar a tudo. Caíra ali uma chuva passageira de dezembro, dessas que muda a atmosfera de qualquer lugar com seu ranço molhado, talvez por causa disso as pessoas adentrassem ainda mais em suas casas como uns bichinhos fugidios se aprofundava e se acomoda ao âmago de sua toca.

Quanto à chuva, o que mais comove minha esposa é justamente o cheiro da terra quando molhada ao exalar refrescante, e em pequenas lufadas que acariciavam seu rosto. Também os meninos seminus pulando encharcados debaixo das bicas em sua balbúrdia, o som estalado da água da bica quando caia na calçada. Não era apenas coisa de mulher, como se pensa. É algo mais o que existe aí, mas que ainda não foi entendido, como se fosse algo, que é como é, para justamente não ser entendo. Um passarinho molhado e arrepiado no galho da goiabeira a comove. Plantinhas nativas nascendo em seu verdeal nas beiradas das calçadas a comove também, “porque estão longe de serem pragas” – dizia. Talvez o que menos a comova é estar no friozinho, abraçada comigo conversando baixinho, ou assistindo Forrest Gump.

- Eu entendo – disse - quando antigamente me chamava de um cara escorregadio toda vez que relembra de minhas escapadelas. Parece-me que essa frase demonstra o quanto você me queria apaixonadamente. Naquela época eu era um cara muito ocupado... Arrependo-me de não lhe ter dado a devida atenção.

- Mas eu sei bem disso. – dizia enfatizando sua virtude de mulher compreensiva - As coisas estavam difíceis e você era o filho mais velho... No começo, eu pensava que você não estava muito interessado em mim.

- Eu sempre estive muito interessado em você.

- Jura? – perguntou beijando-me em seguida.

- Só não tive tempo de está ao seu lado até o dia que comecei a faltar na oficina no meu pai.

Vi-me refletindo acerca de que as coisas boas sempre tendem a entristecer outrem. Continuei:

-Desde cedo meu pai costumava nos aconselhar muito sobre suportar o peso dos problemas que se apresentam em certas fases da vida.

- Mas eu sempre soube que Deus até o momento demonstrou grande misericórdia por nós: Estamos vivos! – finalizou sorrindo.

-Até hoje meu pai fala com propriedade – disse com orgulho filial - Ele Costumava fazer algumas críticas sobre a História enquanto falava e falava e numa destas, ele disse bem assim...

Ela imitando o sotaque do meu pai me interrompe gesticulando com retórica e, com uma voz grave e solene completa:

-C... Foi o Anjo Caído da República, foi o algoz das Alagoas mesmo depois do empichement. Foi ele que acabou com o comércio da cidade, fez falir o PRODUBAN e a fábrica.

Ambos sorrimos pelo fato de saber que a história quando trágica, ao longo dos anos, se torna uma história cômica e que o que foi grande comédia, subira a Rampa como grande tragédia. Isso foi em 1990. Tudo vai se banalizando enquanto falamos de coisas trágicas como se conversássemos acerca de tolices cotidianas, porque se distanciam no tempo aqueles que vivenciaram esses fatos

- Essa época parece que foi pior que a Seca de 1938! – falei entre gargalhadas –

- Pois é... Até quem era rico ficou pobre... – disse, dando-me tapinhas na palma da mão.

- O país conheceu um homem que não tinha nada, perdeu até o que não tinha. – concordei beijando-a.

Um som abafado com pequenos estalos sobre as telhas indicava que chovia lá fora. Na sala ao pé do sofá, nossas duas meninas brincavam e conversavam baixinho entretidas, encenando algum enredo. O nosso mais novo, observava a brincadeira com o inseparável carinho na mão.

- Você imita bem o meu pai. – disse para manter o fio da conversa– Você deve ter estudado muito seu estilo.

E ela respondia sorridente e convicta: “Quem conhece o filho conhece o pai, meu bem”.

-É verdade... Quem conhece a obra conhece o autor.

Eu lembro que a chuva já estava acabando quando imaginei na televisão alguém falar para Forrest: “No mundo há coisas boas e más, parece que ambas ficam para sempre. As boas são comemoradas; as más são lembradas como precaução”.




O boletim



Sexta-feira

Que estudar que nada! – pensava Edcleiton. - As expectativas e o copiar no caderno duravam até o intervalo: quentinha era tudo.

O menino furava a fila ofegante e outra vez o fazia enquanto estivesse na fila de Maria de Lourdes, a merendeira. Ela era conveniente porque gostava do garoto.

Alguém gritava na cantina: “Menino! Deixe de correr! Então Maria de Lourdes respondia repleta de afetividade: “Só se mudar o nome do corredor pra andador.” E gargalhava demasiadamente.

E quem queria saber de estudar? – Esse pensamento o divertia muito. – Não tem feijão com gorgulho, não quero nem saber se o charque está duro ou quase cru, ou se arroz está empapado e se sopa de letrinha tem sabor sei lá o quê...

- A merenda é um bê-á-bá de verdade. - Dizia baixinho um professor.

- O resto é teoria! – completava o outro.

– Olha só aquilo! – apontava com ironia para um estudante magricelo a mordisca com ímpeto uma cocha de galinha. – veja só o que é o que faz a bula pedagógica.

Segunda-Feira

Em relação à merenda, esse era o dia mais especial para a garotada. Não era biscoito com sugo de goiaba, mas algo cozido.

- Eu como que soluço... – dizia Edcleiton ao colega. – mas repito o prato que for...

Porém, esta segunda-feira lhe trouxera grandes decepções: Logo cedo aparece a diretora.

- Eu já sei disso. Pode esperar má notícia! – falava um menino.

- Hoje não tem merenda... Anunciava a diretora com fingida preocupação.

E em cada sala que passava quando não se ouviam palavrões, restava um burburinho.

- eu vou pra casa agora! – gritou Edcleiton. – não vou ficar nessa Escola sem-futuro!

Toca o intervalo e a calmaria atípica faz surgi piadas aqui e acolá, alguns respiram porque muitos estudantes já haviam gazeado.

Os que ficaram na escola, por obediência a professora ou por medo de levar uma pisa ao voltar para casa, eram atraídos à sala dos professores que lanchavam despreocupados toda sorte de bolinhos, salgados e refrigerantes. Observava-se nas janelas as cabecinhas empilhadas e cheias de olhos, como no quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral.

- trabalhar com a mente - alguém interrompe o silêncio - e com os Processos Psicológicos Superiores faz haver uma demanda de consumo muito grande de vitaminas e sais minerais. Caso contrário, não manteríamos o padrão de qualidade na sala de aula.

- Professor precisa comer e aluno também... – completa a vendedora.

- Ouvi dizer... – continua um professor. - que lá na capital, uma funcionária da Educação muito conhecida, fez da merenda cestas básicas, pra “dar um fôlego” da campanha política do seu esposo, vereador o qual não citarei seu nome...

O intervalo acabara e os professores voltam a sua rotina. Edcleiton agora mui distante dali tangia as res. Mas ele, naquele dia, saíra de casa, empolgadíssimo e pensando em provar um prato ou dois de merenda para compensar o café que não havia tomado.

- Já vou professora! – disse alguém com caderno debaixo do braço ao saber da notícia.

- Não pode menino. Porque vamos sair mais cedo hoje!

Na sala de aula uns olhinhos serrados, diante do quadro-negro contemplavam as letras quaradas e desfocadas. Lápis curtíssimo, caderno surrado, caligrafia fora da linha. Aula enfadonha, monólogo com infinitas sílabas extenuantes, barriga ardendo, roncos. Era assim até o final do ano.

Epílogo

Em dezembro, acontecia um momento de alívio para a escola e para a comunidade. Alguns pais ficavam em expectativa quanto aos seus filhos enquanto outros não sabiam nem o que era isso. Muitos meninos e alguns pais saiam da escola apressados para casa no intuito de comemorarem ou parabenizarem - mas com tamanha brevidade - os resultados do ano letivo.

A mãe chegara feliz em sua casa vinda da escola.

- Edcleiton. A professora me deu seu boletim e disse que você passou de ano. Gostou da notícia?

-...

- Você passou menino! Gostou da notícia?

-Eu tô obrando...








A sopa de feijão

A mãe atravessou a ponte e entrou no bairro Ponto Chique. Levava nos braços o pequeno e os demais a acompanhava. Eram de cinco, de sete e de nove anos.

- Mãe, vai demorar muito? – perguntou o de oito.

Seu objetivo era uma das últimas casinhas de pau a pique além do colégio.

De longe, Adenilda os reconheceu se utilizando daquele instinto que faz da retina uma luneta e que somente o possui quem anseia algo proteger.

-Eita, Aluísio! Lá se vem tua prima com a tropa de cupim!

Cala mulher... – cochichou dissimulando e entre sílabas alongadas– respeito que é família minha...

- Hoje eu apronto uma. –concluiu Adenilda voltando à cozinha.

- Vá lá que eu vou olha o que sucede.

À porta aberta, os meninos logo adentraram pedindo uma “bênção, tio” que ecoava. Sorridentes, eles pularam cada um no velho sofá e ali ficaram com os bracinhos entre as pernas olhando calados para o tio, enquanto o cheiro da sopa de feijão exalava.

- Eita cheiro bom de sopa de feijão! – dizia a mãe ao entrar - Deus abençoe mais esta casa!

- Amém... – retrucava Adenilda da cozinha.

A conversa ia e vinha, entre a mãe e Aluízio. Ora ou outra, Adenilda entrava assuntando qualquer coisa e voltava para a cozinha. O menino no colo levantava o pescoço e esticava os olhos para a cozinha. Aluízio e sua irmã fingiam que não viam. Adenilda olhava com asco os olhos do menino.

- Maínha... Maínha... Ô maínha...

- Quieto menino! Nós vamos já. Só estou lembrando a Aluízio que Zequinha Vereador vai atender amanhã na prefeitura.

Aquela sopa de feijão cheirava quanto mais se colocasse água nela. E Adenilda, pela quarta vez, fazia aquilo no intuito de tomar tempo ante aquela visita indesejada. Os meninos, diante do tédio (esse sonífero impiedoso) já estavam calados e quietos uns sobre os ombros dos outro. A mãe de soslaio espiava e intuía o que se passava na cozinha.

- Acorda menino! – disse a mãe beijando o do braço.

- Está cedo ainda. – interrompeu Adenilda. – Vá agora não...

-É mesmo irmã, - concluiu Aluízio. – vá não...

- Está tarde “mano”. – dizia acordando os meninos no sofá. - Já me vou com meu “saguizinhos”.

Então esta bem minha irmã... Deus abençoe a todos.

Cada um calado saiu até a calçada enquanto a mãe se despedia e foram-se.

- Mulher, mulher... – sussurrava – minha irmã não é besta não... Ela percebeu tudinho...

- Ah... – respondeu Adenilda agitando as mãos para o céu como quem tangia um bicho.

- Eu contei... Foram quatro vezes...

- o quê?

- que você botou água na sopa de feijão...

O caminho de volta para casa era muito mais longo. Porque a distância de um lugar a outro é uma questão de estado de espírito.

-Eita mãe... – disse o mais velho - povo ruim...

-Entregue a Deus, meu filho. Lá em casa mãe faz café com faria pra vocês comer.

-Eita mãe! Já me abusei de comer isso de novo!

- menino! – dizia ela – respeite o alimento, pois é sagrado e dado por Deus!

Ela não suportava a barriga do pequeno que dormia. “É de passar até a minha vontade de comer” – pensava ela. Mas no fundo ela sabia que para uma fome sem comida, o sono resolve.

02 de março de 2004


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